quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O ENGANO


FOCUS 487

Todos os dias a crise dá mais um ar, não da sua graça, mas da sua desgraça. De tal forma assim é, que os economistas já nem se atrevem a fazer previsões. Eu tenho um amigo que costuma dizer: “ Confio mais nos astrólogos!”. E a verdade é que parece ter razão. Na reunião de Davos, quase não apareceram os especialistas da ciência económica e das técnicas de gestão, que, em anos anteriores, por ali adoravam passear, com ar feliz e triunfante, os seus fatos de marcas exclusiva, os seus relógios topo- de- gama e os seus sorrisos de plástico que, bem observados, deixavam ver os caninos á vidos e devoradores. Estes especialistas, que em tempos passados proclamaram o fim da política e a inutilidade dos políticos, em favor da economia e dos gestores, agora fogem assustados e dão o seu lugar aos governantes, quase todos, infelizmente, medíocres, o que não admira, pois são produtos do ar do tempo em que foram gerados. Esse tempo que provocou o desastre em que estamos mergulhados.

De facto, assim é: todos os dias a crise nos grita que existe. Fá-lo através de mais umas quantas falências e de mais uns milhares de desempregados. Os governos, sem saberem muito bem que fazer, criam planos sobre planos, cuja insuficiência ou inutilidade no outro dia se revela manifesta. Como a nova palavra de ordem é “agir”, mesmo que não se saiba bem como e para quê, na semana seguinte lá temos um novo plano e depois outro, e outro, e outro. Navegação à vista, dizem todos os ministros das Finanças, a começar pelo nosso. O problema é que, mesmo com a navegação à vista, o navio continua a afundar-se.

Os problemas sociais estão a agravar-se para níveis de perigosidade que já há muito tempo não eram experimentados. Ninguém garante que, à surpresa, ao estonteamento e à angústia de hoje, não sucedam amanhã reacções violentas de protesto e indignação. Está a criar-se o caldo de cultura para que tal possa acontecer. Os responsáveis pelo desastre, sendo que muitos deles cometeram crimes e ilegalidades de grande gravidade, continuam em muitas casos a fazer provocações inaceitáveis a quem, por culpa deles, perdeu o emprego ou está arruinado.

A verdade é que se continua a querer resolver uma crise dramática, cuja duração ninguém se atreve a prever, com paliativos e receitas gastas, procurando-se “curar a mordedura do cão com o pelo do mesmo cão”. Acontece que assim não se cura nada e o desastre não cessa de aumentar.

O que os “doutrinários” e “especialistas” não querem compreender é que esta crise determina o fim de um mundo e tem um significado político simétrico do da queda do muro de Berlim. A eleição de Barack Obama foi o primeiro sinal do fim desse mundo. O que esta crise prova é que o neo-liberalismo e o neo-conservadorismo que se lhe associou são hoje doutrinas políticas desacreditadas e arcaicas, intrinsecamente iníquas e injustas, que conduziram o mundo a um desastre de grandes proporções. Aqueles que pensam que é preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma estão desta vez enganados. Agora é preciso que se mude muito e a fundo: de políticas e de pessoas, logo para começar. È preciso regressarmos às ideias e aos valores. É necessário substituirmos o cinismo pela confiança e o marketing pela convicção. O mundo avançou sempre em períodos de idealismo e esperança. Aqueles que pensam que a humanidade desistiu da liberdade e da justiça estão enganados e vão em breve sabê-lo.

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