FOCUS 486
Ao contrário do que previam, com mal disfarçada alegria, os seus adversários e, ainda talvez mais do que esses, os cínicos de todos os tipos e inspirações, os primeiros dias de Barack Obama na Casa Branca não têm sido nem uma desilusão, nem um desmentido do que ele tinha prometido durante a sua campanha eleitoral. Pelo contrário, vêm sendo uma reiteração do seu carácter, da sua vontade, das suas convicções e das suas afirmações de ruptura com um passado recente catastrófico. Logo no discurso de posse, com sobriedade e clareza, o primeiro Presidente negro da História dos Estados Unidos da América proclamou a sua nova visão do mundo e os seus valores, princípios e objectivos de acção política. Desde então, com uma força tranquila e uma coragem serena, todos os dias tem falado e agido, destruindo o desastroso edifício doutrinário que tinha sido construído por George W. Bush e pelos seus ideólogos. Em sua substituição, começou a erguer um novo edifício assente nos alicerces do humanismo –daquele humanismo libertador e justo que inspirou a fundação da América e que se encontra consagrado na Declaração da Independência, na Constituição e no Bill of Rights.
Dia-a dia, o novo Presidente vem mudando, quer em matéria de política interna, quer no plano da política externa, as concepções neo-liberais e belicistas que conduziram ao desastre em que estamos mergulhados e à crise que ainda agora a insuspeita (de esquerdismo) Cimeira de Davos classificou de gravíssima, acrescentando que o ano de 2009 será o pior dos últimos sessenta anos (isto é, o pior desde o fim da Segunda Guerra Mundial). Barack Obama vem assim fazendo o que tinha prometido, revigorando uma exigência moral, sem a qual a política se desacredita, não passando de uma mera arte de conquistar e manter o poder custe o que custar.
Como exemplo desse rigor ético que vem marcando a sua acção, o Presidente não hesitou em falar de forma clara e dura aos banqueiros que, com um despudor e uma vertigem semelhante à de alguns nobres na véspera e mesmo já em plena Revolução Francesa, resolveram atribuir-se chorudos prémios em bancos falidos que só não fecharam as portas porque o Estado injectou neles o dinheiro dos contribuintes para tentar evitar o caos. Disse-lhes Obama que eles não tinham vergonha, nem senso, e acusou-os de irresponsabilidade. Para se perceber, de facto, até aonde vai essa irresponsabilidade, basta lembrar que os gestores de um desses bancos falidos tinham decidido comprar um novo jacto privado. E o facto de os republicanos (e mesmo alguns democratas) da Câmara dos Representantes estarem a tentar impedir o plano presidencial de relançamento económico só mostra que as coisas estão mesmo a mudar e que eles não esqueceram nem aprenderam nada...
No plano externo, Obama anunciou logo, como prometera, o fecho de Guantánamo, decisão de imenso simbolismo e consequência. Depois, ao dizer ao seu enviado pessoal ao Médio Oriente, George Mitchell, que o mandava à região para ouvir e não, como no passado recente, para dar ordens, isso representa uma autêntica revolução da imagem e do papel que os Estados Unidos a partir de agora se atribuem no mundo. O sempre adaptável e oportunista Tony Blair, o grande amigo e aliado de Bush, já percebeu que os ventos mudaram. Por isso, apressou-se a proclamar, enfaticamente, que o Hamas tem de ser incorporado na processo de paz e que Gaza não pode ser dele separado. Só falta ouvirmos o outro grande amigo e anfitrião de Bush, José Manuel Durão Barroso, dizer coisas parecidas, ou ainda mais “progressistas”...
É claro que Obama não é um santo milagreiro, nem tem uma varinha mágica para resolver os terríveis problemas económicos e sociais da América e do mundo. Mas, num momento de inédita gravidade e de enorme complexidade, a sua convicção e a sua coragem são um fundamento de esperança.
Um grande fundamento de esperança! Um dos poucos fundamentos de esperança e de confiança na nossa capacidade para ultrapassarmos a crise e construirmos um futuro melhor!
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